Para Ana Maria Magalhães a paz é prateada.
As figuras do presépio guardavam-se numa caixa de lata redonda, com amolgadelas na tampa. Esquecida todo o ano no fundo do armário, em vésperas de Natal adquiria contornos de tesouro que eu ia espreitar em bicos dos pés. Às vezes levava comigo o meu irmão mais novo e deslumbrava-o arrancando reflexos de prata à velha lata com uma lanterna de bolso. O armário está cheio de luz prateada porque as figuras vão acordar?
Ele acolhia as minhas histórias na maior alegria, entrava no jogo de qualquer brincadeira e não raro fazia-me perguntas surpreendentes. Por distracção, ou devido à fantasia de artista, uma das ovelhas do nosso presépio era cor-de-rosa e ele, naquele ano, andava obcecado com as cores. Acha que a ovelha cor-de-rosa ainda é viva? As camelas são da mesma cor dos camelos? Eu improvisava, tentando nunca o deixar sem resposta. Mas quando a propósito da canção que acabara de aprender me perguntou O que é uma noite de paz? Hesitei. O vento da tarde amainara lá fora estava tudo tranquilo, levei-o à janela. É uma noite assim muito calma, como a de hoje.
A lua cheia sorria-nos, brilhando redonda num céu sem nuvens. Prateada? - Perguntou de olhos postos nos meus - A paz é prateada?
Na altura disse-lhe apenas que sim. Devia ter acrescentado Como um tesouro.
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