O REI DE SUNDÉM (1908)
Havia dispensa do ponto para os estudantes do Liceu de Nova Goa no dia da visita oficial do rei de sundém ao Governador-Geral.
Todo cintilante e imponente, deixava a lancha, florida de palmas de coqueiro, para entrar nas carruagens do Governo com as honras prestadas por um regimento de infantaria.
Do cais ao palácio a distância era curta, e a visita de pouca duração mas de importante interesse para o visitado.
O rei de Sundém, como todos os hindus de elevada categoria, nestes casos solenes, nunca se esquecia de obsequiar com ofertas de valor o representante da Nação.
A sua barba, bem cuidada, dava-lhe grandeza. Vestia à moura e o seu traje era todo branco, agaloado a ouro fino.
No braço esquerdo ostentava uma grossa escrava de ouro, na qual se via encastoada uma pedra de forma misteriosa, designada de "lingavá", que simboliza o órgão genital do deus Betel. Pertence à casta de Condory que não usam chindim.
A sua religião não permite a cremação dos corpos à maneira dos gentios. Têm o seu jazigo, e ali são colocados os cadáveres, sentados, dentro de uma cova, com uma lâmpada aos seus pés. (1)
A província de Pondá, numa área aproximada de trezentos quilómetros quadrados, pertenceu-lhe, recebendo o tributo de mais de 40.000 súbditos seus. Mas como os maratas, chefiados pelo famoso Naná, assolassem frequentemente os seus domínios, pondo em sobressalto as fronteiras portuguesas, passou esta província para a posse do Estado, que lhe concedeu uma pensão vitalícia, dispensando-lhe toda a protecção e o direito de residir na aldeia de Bandorá, onde sua Alteza tem um magnífico palácio, o culto por um bosque de arequeiras de densas e vistosas ramagens, que florescem junto dos lagos de águas tranquilas.
O seu avô recebeu da rainha Vitória uma fotografia com autógrafo. Esta soberana fez-lhe sentir o desejo de o receber como súbdito, a exemplo do seu primo o rei de Puna. Porém, o príncipe, agradecendo a gentileza da mensagem, respondeu à rainha inglesa que se sentia feliz com a amizade dos Portugueses.
Atribui-se também a este príncipe a seguinte história:
Uma dama da sociedade, encontrando-se numa recepção oficial de Sua Alteza, não ocultou a sua estranheza por ele possuir tantas esposas.
- Sim, minha senhora! - lhe respondeu o príncipe -, permite-o a nossa Lei, para podermos admirar em muitas o que só em vós se acha reunido.
[Extraído de GOA NOSSA TERRA, pelo CONDE DE MAHEM (1940), pg. 166/167]
(1) Sobre o não cumprimento de certas práticas hindus, mas agora relativamente à alimentação, o Conde de Mahem diz no mesmo livro, à pág. 137, e falando dos Ranes, oseguinte: Comem e bebem de tudo, não observando muito à letra os ditames da sua casta. Apenas evitam matar vacas e obedecem escrupulosamente ao preceito de as viúvas não contrairem segundas núpcias.
Velha Goa, Sé Catedral
6 comentários:
Fico sempre presa a estes relatos que me avivam a memória dum livro que li e reli, na minha infância, embora, de momento, (que raiva!!)não me consiga lembrar do nome.
Era uma espécie de Gata Borralheira, mas com pormenores sobre a Índia e os costumes hindus. Uma menina nascida lá, órfã de mãe e com um pai amicíssimo, é deixada num colégio interno, em Londres, com todas as mordomias, enquanto ele tem que voltar por uns tempos à Índia, onde, pouco tempo depois, se pensa ter vindo a falecer na explosão de uma mina. A Directora do Colégio, vendo que dali já não poderia obter a sumptuosas mensalidades, transforma-a em criada e instala-a num sótão miserável, de onde consegue ver a janela do quarto de um idoso doente, que possui um criado hindu. A amizade entre eles floresce e este acaba por lhe conseguir encontrar o pai e a mina de diamantes que ele possuía, castigando-se, assim, a ambiciosa directora....
Histórias deliciosas, portanto, que fazem voar o pensamento entre os factos e a imaginação...
Si: Não era a "Pequena Princesa" ou uma coisa assim do género? Tenho ideia de ter lido algo parecido em pequena.
(também li esse livro e vi o filme)
Excelente a descrição pormenorizada da chegada do rei do Sundém, feita pelo teu pai:o aspecto, o traje, os acessórios...
Patti: Aqui o meu pai limita-se apenas a transcrever.
sim o "extraído".
O q'a gente aprende!
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