O REINO DE SUNDÉM E AS SUAS RELAÇÕES COM GOA
Várias referências se têm feito ao REI DE SUNDÉM nesta série, nomeadamente nos números 1 e 9, e alguns leitores se terão porventura interrogado sobre de que rei se trata.
Efectivamente, no minúsculo Estado (Distrito na época colonial portuguesa) de GOA, de superfície inferior a 4.000 Km2, vive discretamente desde há 232 anos uma Família Real Indiana.
Durante mais de dois séculos o território português de Goa confinou-se ao que mais tarde se veio designar por "Velhas Conquistas": a ilha de Angediva (onde o 1º Vice-Rei da Índia D. Francisco de Almeida fez erigir uma fortaleza em 1505) e os concelhos de Goa ou Ilhas (1510), Bardez, Salcete e Mormugão (1543), tudo com a área aproximada de 712 Km2.
Naquela época (séc. XVI e seguintes) era habitual assinarem-se e violarem-se tratados e fazerem-se e desfazerem-se alianças segundo os interesses de cada governante. Eram os portugueses, os mogois, os pêxvas, os maratas e outros príncipes hindus e muçulmanos a pactuarem ora com uns ora com outros de entre si contra um inimigo comum de determinado momento, e logo a seguir aliarem-se a um ex-adversário contra um ex-aliado. E, desde a chegada dos portugueses à Índia em 1498, a vida nem sempre lhes correu de feição. Mas havia um príncipe cuja amizade, mau grado terem com ele constantes rixas e confrontos bélicos, lhes interessava manter, como mais adiante veremos: era o Rei de Sundém.
Os governantes de Goa (Governadores ou Vice-Reis do Estado da Índia) por mais que uma vez conquistaram e perderam, em guerras com Sunda ou Sundém, com os maratas (sob Naná e outros) e com alguns sultões, as fortificações de Mondogôr (Mardan Godd) e outras que, nas terras de Pondá, estavam separadas das ilhas de Goa apenas por um estreito braço do rio Mandovi - o canal de Combarjua - e ameaçavam a ilha principal de Tissuari onde se situam Goa Velha, Velha Goa e Panjim. Ora a então província de Pondá ficava nos domínios do Reino de Sundém - um reino que, com a área de cerca de 14.000 Km2 (= +- distritos de Setúbal + Lisboa + Santarém), nascera do desmembramento do Império de Vijayanagar (Bisnagar ou Narsinga para os portugueses) e tinha a sua capital em Sundém (ou Sunda ou Sonda), hoje um insignificante lugarejo do distrito de Karwar (Estado de Karnátaka), afastado de qualquer itinerário principal, "quase como uma ilha no fundo de um profundo vale" e "que não aparece em nenhum mapa de estradas", no dizer de Manohar Malgonkar (in Inside Goa, 1982).
Malgonkar informa também que Sundém nunca foi um reino forte e que ao longo dos quase dois séculos da sua existência os seus soberanos (hindus) procuraram sempre viver em vassalagem ao vizinho que em dado momento fosse o mais poderoso, pagando tributo ora aos Adilxás de Bijapur (muçulmanos, a quem Albuquerque conquistara Goa em 1510 e cujo reino fundado em 1489 se extinguiu em 1686) ora aos mogois (também muçulmanos) ora aos maratas (hindus). Todavia, apesar da sua relativa fraqueza, por mais que uma vez Sundém entrou em conflito com Portugal, e a sua própria dimensão e as suas alianças constituiam um travão a quaisquer pretensões de expansão dos portugueses, cujo território tinha uma extensa fronteira comum com aquele reino. Daí que, não obstante as frequentes rixas, os dois vizinhos (Reino de Sundém e Estado da Índia) mantivessem relações geralmente amistosas e o Rajá mandasse frequentes embaixadas a Goa. Por outro lado, e para consternação dos portugueses, essas relações não obstaram a que os Rajás de Sundém acudissem aos hindus de Goa quando os templos destes fossem destruidos pelos finrguis (portugueses), permitindo-lhes transferirem as suas divindades para Pondá e outros dos seus domínios e doando-lhes terras para construção de novos templos.
"Ora" - servindo-nos outra vez de Malgonkar - "num belo dia de Janeiro de 1764 o Vice-rei Conde da Ega encontrou o Rei de Sundém Savai Immodi Sadassiva à sua porta, com a sua família e os seus tesouros. Ele tinha fugido da sua capital e viera procurar asilo em Goa. O que ocasionou a fuga de Immodu foi o ataque de uma coluna militar de Haider Ali que acabava de marcar presença na Índia Meridional" (Ali, que subira das bases do exército do Marajá de Maiçôr, apoderara-se deste reino e estava já a caminho de se tornar o mais poderoso governante dessa parte da península indostânica).
"Uma vez em Goa, ele colocou as suas províncias de Pondá, Zambaulim e Canácona sob a protecção dos seus amigos portugueses até ao momento em que pudesse expulsar de Sundém as tropas de Haider Ali (comandadas pelo Gen. Faizulla Khan) e desejava que, em troca, os portugueses lhe fornecessem asilo e lhe dessem um estipêndio para as suas despesas". [A praça (forte) e a aldeia de Cabo de Rama, que igualmente lhe haviam pertencido, tinham já sido tomadas pelo Conde da Ega no ano anterior]. Só que, estas terras nunca mais voltaram à posse do "Sunda" e acabaram por ser agregadas a Goa, cujo território - até ali de 712 Km2 - mais que triplicou, passando para 2.470 km2.
[ Esclarecemos que por um decreto de 14.12.1880 as então províncias passaram a designar-se concelhos, e: (a) a praça e aldeia de Cabo de Rama foram integrados no concelho de Canácona; (b) Os distritos de Zambaulim foram reagrupados em 2 concelhos: Sanguém (Embarbacém + Astragar) e Quepém (Bali + Chondrovadi + Cacorá)].
1 comentário:
Não me importava nada de passar a Páscoa por estas bandas!!!
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