domingo, 28 de setembro de 2008

ACONTECEU NUM REINO DESTE LADO DO MUNDO




Estava um dia a Centopeia
a tomar banho num regato
Chegou-se ao pé a Formiga,
que gritou com espalhafato:



"Ó comadre, serão suas
as três patitas que eu vi,
ali atrás, numa cova,
a uns dez metros daqui?"



Ao ouvir dizer aquilo,
a Centopeia, assustada,
catrapum, caiu à água,
ia morrendo afogada.



Salvou-se... mas por um triz,
pois não sabia nadar,
e pediu logo à Formiga
que a ajudasse a contar.



"A contar? Contar o quê?",
barafustou a Formiga.
"A contar as minhas patas
sozinha... não sei que diga!"



Disse que sim, a Formiga,
mas ficou a magicar:
"Saberá a Centopeia
quantas patas tem pr'andar?"



"Se ela não sabe quantas tinha
antes de estas três perder,
contá-las é disparate
e eu tenho mais que fazer".


Isto pensou e isto disse
a Formiga à companheira,
que logo ali desatou
numa grande choradeira.


"Não chore", pediu a Formiga,
"deixe lá, eu sei de um modo
de saber se aquelas patas
são suas ou não de todo".


E lá se pôs, a Formiga,
a caminho da tal cova.
"Nestas coisas", pensou ela,
"Não há como ter a prova".

A cova era um pouco funda
e a Formiga... não entrou.
Meteu lá dentro uma pata
e plic, ploc, procurou.

Procurou... e encontrou
-eram três coisas, de facto:
não patas de centopeia,
mas três pestanas de rato.


Sem querer, tinha a Formiga
assustado a Centopeia.
Francamente, aquela história
podia ter sido... feia.


Que fez então a Formiga?
Fez o que tinha a fazer
pediu desculpas e foi
ver se já estava a chover.


Ver se já estava a chover?
Mentiria, estou a brincar.
Não, o que a Formiga fez,
foi isto: foi-se tratar.



Foi ao médico dos olhos
e disse-lhe assim: "Doutor,
troquei pestanas por patas,
vejo cada vez pior".


O médico examinou-a
e disse-lhe assim: "Formiga,
vossemecê o que tem
não é mais do que fadiga".



"Descanse, areje as patinhas,
Não pense tanto no Inverno.
Vai ver que vai ver melhor
Nenhum Inverno é eterno".






Raul Malaquias Marques




3 comentários:

kris disse...

o descanso é sagrado!! e nos dias que correm...muito necessário

Susana disse...

já tinha saudades de ler uma fábula em versos:)

e como se vê, até a formiga tem de descansar...

Anónimo disse...

Parece historia de contar antes de dormir...altamente =)