No antigamente, o Diabo estava a morrer. Deus ficou aflito: sem o Demónio ele seria apenas metade. Foi então que Deus acorreu a curar o seu eterno inimigo. O que Deus, primeiro, fez foi beber água. Nesse tempo só havia mar. Ele bebeu dessa água salgada, cheia de alga e inorganismos. Deus teve alucinações e vomitou sobre o Universo. O vómito era ácido e os seres definharam, contaminados pelo cheiro nauseabundo. A água adoeceu, as plantas amarelaram. O gado começou a dar sangue em vez de leite. Deus enfraquecia que dava pena. Foi então, já cansado, que ele inventou os rios. Criou os rios com água vinda de suas mais longínquas forças, as veias de sua alma. Mas ele estava debilitado, incapaz de imensidões. Por isso, os rios não são tão infinitos como o mar. Aquela água doce, só de ser vista, revigorou a alma de Deus. Todavia, os rios a si mesmo não bastavam. Lhes fazia falta o mar, o lugar infinito. E a água voltou à água.
-Deus se ajoelhou ali, naquele descamado-(...)
-Um joelho neste lado de cá e outro na outra margem, além. Ele se debruçou ali matar a sede.
Dizem que Ele bebeu, bebeu, bebeu até matar a sede de todas as fontes. Olhou o firmamento, fechou o Sol nos olhos. Demasiada luz: tudo ficou miragem. De seu rosto, por um instante cego, surgiu o Homem. Aquele era o primeiro homem. Dos olhos de Deus, feridos de tanto brilho, deslizou uma lágrima. Dessa água, escapou uma mulher. Aquela era a primeira Mulher. E ambos, Homem e Mulher, desandaram por entre os caniçais das margens dos rios.
In "O último voo do flamingo", de Mia Couto
4 comentários:
Então foi assim.
;)
Muito bonito.
Eu já andava desconfiada disso....
Essa da costela...nunca me convenceu...LINDO!!!!...
Bjs
O Mundo era perfeito se o Homem não existisse... Deus cometeu um erro grave...
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