Aconteceu-me tudo na vida, ou não fosse eu uma incansável e aventureira navegadora.
Mas comecemos como tudo deve começar: do princípio.
O meu nome é Georgina de Noronha, filha de D. Jorge de Noronha e de D. Lívia Peres da Costa. Nasci no castelo de Montemor-o-Velho e os meus pais eram nobres e membros da corte de D. Manuel.
Vou-vos relatar, em pormenor, a primeira viagem que fiz.
Tinha 11 anos quando cheguei a Goa na caravela “ Flor del Mar” comandada por Afonso de Albuquerque, amigo dos meus pais e também ele membro da corte.
Em 1498 já outro amigo de meu pai tinha descoberto o caminho marítimo para a Índia, chamava-se Vasco da Gama e, a partir daí, começou um intenso vai-vém turístico, económico, comercial, missionário e militar.
A viagem, incontornavelmente, cruzava África, aliás esta jornada foi para mim um verdadeiro cruzeiro, lúdico, aventureiro e educativo.
Saímos do Restelo por entre grande alarido. Havia imensa gente no cais, desde pessoas que iam apanhar o barco para a Trafaria a caminho das praias da moda existentes numa tal Costa de Caparica, como outras que vinham trabalhar na zona de Belém, nas embaixadas, no CCB e num mosteiro que D. Manuel havia mandado construir e que tinha saído de uns gizados de um arquitecto que, na altura, começava a ser conhecido e de seu nome Siza Vieira. Só sei que nas caravelas que iam a caminho de descobrir novos roteiros turísticos, a população ascendia a mais de 1500 homens e mulheres entre marinheiros e soldados, para além das respectivas famílias, turistas, padres, voluntários e médicos da AMI, emigrantes, onde me incluía, já que meu pai seria o próximo Governador do Banco de Goa.
O rei D. Manuel e um mar de gente assistiram à partida. Alguns choravam já de saudades antecipadas ou, quiçá, premonitórias, pois muitos nunca mais regressariam à Metrópole; outros só regressariam, após a descolonização que se verificou posteriormente ao dia 25 de Abril de 1974 havendo-se conquistado, dizem por aí, um novo território a que se deu o nome de Liberdade; muitos outros desejavam venturas aos seus familiares que emigravam em busca de vidas melhores, outros ainda, velhotes ranzinzas, sempre que havia excursões, picnicavam e puxavam lustro aos bancos que se perfilavam junto aos cais, de cartazes em punho, bradando palavras de ordem explicando que achavam aquelas viagens ultramarinas um desprezível gasto de dinheiros e de vidas alheias, apenas para guerrear indígenas, usurpar-lhes as riquezas, ambições desmedidas e vãs que, diziam eles, esta metrópole haveria de pagar bem caras; tais velhotes ficaram conhecidos pelos “Velhos do Restelo” e imortalizados numa marca de vinhos_ “Velhotes”_ produzidos pela Casa Calém existente no Porto, um orgulhoso e vínico burgo a norte.
Que alvoroço, Santo Deus! Que aventura! Que felicidade! Finalmente, zarpávamos rumo à Índia, seguindo a rota escrupulosamente traçada para o cruzeiro. Ancorámos ao largo da Madeira, mas nem fomos a terra, porque um tal de Alberto João Jardim, mandou-nos pôr de quarentena arvorando que os continentais eram uma doença que não queria que contaminasse a ilha; largámos âncora rumo aos Açores, onde no bar do Peter comprei imensos souvenirs todos à base de cachalote; seguimos, depois, rumo às Canárias onde, curiosamente, muitos cães por lá andavam. Até hoje não conseguem trinar uma nota em português, tão duros de ouvido são, estes cães. Na ocre Lanzarote fomos recebidos por D. Saramago e D. Pilar que entregaram a meu pai um manuscrito sobre o Cerco de Lisboa para alfabetizar os indianos.
Após estas incursões ainda na bainha da saia da Europa, aventurámo-nos para outro continente. A África do Sul era o destino carimbado no bilhete; lembro-me da aflição de meus pais por o visto de Cahina, a minha aia cor de canela e companheira inseparável, não haver chegado; é que neste país vigorava o apartheid, assim uma espécie de jogo de xadrez em que num periclitante tabuleiro brancos de um lado e negros do outro, os brancos comiam os negros e ganhavam sempre o jogo. Afinal não houve problemas de maior, fomos todos muito bem tratados e a única coisa que registei foi um incidente que se revelou divertido e aventureiro. Eu e Cahina precisámos a alturas tantas de ir à casa de banho na marina, uma vez que não podíamos ir visitar a cidade. Ora as casas de banho tinham várias portas em inglês: Brancos (Homem e Mulher), Negros (Homem e Mulher), nessa altura não havia, com toda a certeza, deficientes, ou não sei se caberiam tantas portas naquela marina; o meu pai disse que eu teria que ir para a das mulheres brancas e Cahina para a das mulheres negras; como nem eu nem Cahina éramos, ainda, mulheres arquitectei imediata e argutamente um plano. Refugiámo-nos atrás de um enorme e tricolor ecoponto que aportava por ali e da minha mochila Eastpack retirei duas mudas de roupa do meu pai que não foram postas na mala ou ele teria que pagar excesso de bagagem: dois magníficos gibões que se abotoaram, cumplicemente, como magnetos, aos nossos corpos; encurtámos as fartas cabeleiras em chinós amuralhados no alto da cabeça, soterrámo-los sob enorme bonés que nos tapavam os olhos, calçamos uma luvas alvas e enfiámo-nos as duas, com risinhos matreiros e de “anda-lá-bobby-que-já-enganámos-mais uns” na casa de banho dos homens brancos, sem problema algum, tendo declarado cheque-mate ao apartheid e criado, naquele instante, a street wear.
Rumámos depois às Ilhas Maurícias onde estivemos dois curtos e preenchidos dias. Para mim foi como se tivesse chegado ao Paraíso, ao Jardim do Éden que tinha lido na Bíblia. As areias brancas, o mar transparente de tonalidades que abarcavam todas as gradações possíveis e inimagináveis de azul e de verde, a fauna e a flora marítimas que podíamos ver sem óculos de mergulho, palmeiras, palmeiras e mais palmeiras que se hasteavam, desfraldando acolhedoras sombras na tórrida ilha. Meu pai, escrivão de bordo e biólogo apaixonado, resolveu alugar um bungalow junto à praia, para melhor poder conhecer tão exótica paragem e Cahina e eu demos largas à nossa traquinice, o que não podíamos fazer na sobrelotada caravela onde, por causa dos temporais, tínhamos que usar cinto de segurança e mantermo-nos afiveladas ao beliche. Conhecemos e brincámos com muitos mauricinhos e mauricinhas que se riam com os nossos espantos ao olharmos para uns frutos chamados cocos de que jorrava uma leitosa água não canalizada; quando apontávamos para os macaquinhos e dizíamos que eram parecidos com Paulo Bento que integrava uma esférica comitiva com Pinto da Costa, Carlos Queirós, Luís Filipe Vieira e mais uns quantos marmanjos para ensinarem aos indígenas um jogo novo em que havia uma bola e vinte e dois homens, vinte deles tentando enfiar a bola por entre dois paus. Simiesco!
Fomos às piscinas naturais que se formavam por entre as rochas, sempre vestidas com os nossos fatos de banho, mais parecidos, sim, com fatos de macaco.
Ao fim de dois dias bem passados meu pai fretou um táxi-canoa que fazia passeios turísticos para nos levar de volta à caravela onde Afonso de Albuquerque e demais gentes nos aguardavam para dobrarmos o Cabo da Boa Esperança rumo a outro oceano, o Índico, e a outro continente, a Ásia, onde se alcandorava a preciosa Índia.
O marinheiro de nome Sócrates, controlador aéreo no alto da gávea grita: Terra à vista. Mas o que se avistava era Bombaim mais o seu nauseabundo odor a excrementos e especiarias tendo sido logo posta de parte, uma vez que já estávamos um bocado atrasados para chegar a Goa. A caravela tomou asas e 45 minutos depois o marinheiro de nome Sócrates volta a gritar: Terra à vista.
Afonso de Albuquerque informa altifalantemente que a temperatura era de 40º Célsius, que podíamos desapertar os cintos de segurança, que devíamos arrumar os beliches e que desejava a todos uma boa estadia. Havíamos chegado a Goa.
Quando desembarcámos neste território famoso pela sua beleza e riqueza, este estava na posse de muçulmanos, sendo governada por Hidalcão .
Afonso de Albuquerque, sagaz, aproveitou que ele tinha ido a Bombaim a uma cimeira e conquistou Goa.
Chegámos, antes da época da monção e, mesmo que não quiséssemos, o que não era o caso, uma vez que o meu pai tinha sido indigitado pelo Rei como Governador do Banco de Goa e Afonso de Albuquerque para o representar na Índia, quem chegasse nesta época não poderia navegar enquanto a monção se mantivesse, pois os ventos tornavam os mares impossíveis de serem sulcados.
E lá ficámos durante 400 anos. Muitos portugueses casaram com bonitas goesas e passou a haver por aquelas paragens Diogos, Franciscos, Isabeis, Leonores, Garcias, Albuquerques, Noronhas.
Eu retomei a vida que levava em Portugal; reiniciei os estudos, entrando para o 8º ano do liceu e, nas horas vagas, passeava com Cahina pela cidade de Panjim, onde meus pais se haviam instalado, adorando enrolar-me nos saris de cores vistosas e de seda pura, vestir os meus braços de pulseiras que lá se chamam manilhas de vidros de várias cores e olhar com inveja as goesas ostentando magníficas jóias em todas as partes do corpo disponíveis; um dia arrisquei e pedi à minha mãe para pôr um brinco no umbigo, sim um piercing, mas a minha mãe olhou para mim horrorizada como se fosse de alguma casta inferior. Ainda hoje não ultrapassei este trauma.
Gostava de ver os templos hindus e os seus rituais havendo, no entanto, um que abominava e é só devido a esse singelo e terreno pormenor que me mantenho cristã: ter que deixar os sapatos à porta para entrar nos locais sagrados do hinduísmo. Jamé!
Em 1961, quando os portugueses perderam Goa, fui deslocalizada para Angola, mas esta também foi perdida no jogo do Monopólio, bem como várias outras árduas conquistas tendo, então, regressado às origens -a Portugal- onde me empreguei numa agência de viagens organizando viagens de circum-navegação pelas ex-maravilhas portuguesas no Mundo. Estes périplos ficaram conhecidos aquém e além-mar pela particularidade de os turistas serem sempre saudados com flores oferecidas por indianos de uma empresa fundada por mim e que trabalhava em parceria: a Ké-Frô, SA..
Hoje encontro-me já reformada mas ainda navego, pois claro! Criei a internet, o Messenger, o Hi5, o Facebook e o Twitter e até tenho um blogue, onde escrevo para memória futura. Andam, entretanto, por aí uns invejosos, uma turba de anónima massa dizendo que tudo isto inventei, que muito baralhada ando, que sou uma louca e que vivo com um tal de Alzheimer. Eu, que sempre fui solteira e boa rapariga. Querem meter-me num 31, num colete de forças, querem-me internar mas eu sou, Georgina de Noronha, amiga do Rei.
- D. Georgina, vamos arranjar-nos para o jantar?
- Desculpem-me, meus Senhores, mas vou ter que me retirar, a aia Cahina por mim chama. É que hoje vou jantar com o Rei.
Mas comecemos como tudo deve começar: do princípio.
O meu nome é Georgina de Noronha, filha de D. Jorge de Noronha e de D. Lívia Peres da Costa. Nasci no castelo de Montemor-o-Velho e os meus pais eram nobres e membros da corte de D. Manuel.
Vou-vos relatar, em pormenor, a primeira viagem que fiz.
Tinha 11 anos quando cheguei a Goa na caravela “ Flor del Mar” comandada por Afonso de Albuquerque, amigo dos meus pais e também ele membro da corte.
Em 1498 já outro amigo de meu pai tinha descoberto o caminho marítimo para a Índia, chamava-se Vasco da Gama e, a partir daí, começou um intenso vai-vém turístico, económico, comercial, missionário e militar.
A viagem, incontornavelmente, cruzava África, aliás esta jornada foi para mim um verdadeiro cruzeiro, lúdico, aventureiro e educativo.
Saímos do Restelo por entre grande alarido. Havia imensa gente no cais, desde pessoas que iam apanhar o barco para a Trafaria a caminho das praias da moda existentes numa tal Costa de Caparica, como outras que vinham trabalhar na zona de Belém, nas embaixadas, no CCB e num mosteiro que D. Manuel havia mandado construir e que tinha saído de uns gizados de um arquitecto que, na altura, começava a ser conhecido e de seu nome Siza Vieira. Só sei que nas caravelas que iam a caminho de descobrir novos roteiros turísticos, a população ascendia a mais de 1500 homens e mulheres entre marinheiros e soldados, para além das respectivas famílias, turistas, padres, voluntários e médicos da AMI, emigrantes, onde me incluía, já que meu pai seria o próximo Governador do Banco de Goa.
O rei D. Manuel e um mar de gente assistiram à partida. Alguns choravam já de saudades antecipadas ou, quiçá, premonitórias, pois muitos nunca mais regressariam à Metrópole; outros só regressariam, após a descolonização que se verificou posteriormente ao dia 25 de Abril de 1974 havendo-se conquistado, dizem por aí, um novo território a que se deu o nome de Liberdade; muitos outros desejavam venturas aos seus familiares que emigravam em busca de vidas melhores, outros ainda, velhotes ranzinzas, sempre que havia excursões, picnicavam e puxavam lustro aos bancos que se perfilavam junto aos cais, de cartazes em punho, bradando palavras de ordem explicando que achavam aquelas viagens ultramarinas um desprezível gasto de dinheiros e de vidas alheias, apenas para guerrear indígenas, usurpar-lhes as riquezas, ambições desmedidas e vãs que, diziam eles, esta metrópole haveria de pagar bem caras; tais velhotes ficaram conhecidos pelos “Velhos do Restelo” e imortalizados numa marca de vinhos_ “Velhotes”_ produzidos pela Casa Calém existente no Porto, um orgulhoso e vínico burgo a norte.
Que alvoroço, Santo Deus! Que aventura! Que felicidade! Finalmente, zarpávamos rumo à Índia, seguindo a rota escrupulosamente traçada para o cruzeiro. Ancorámos ao largo da Madeira, mas nem fomos a terra, porque um tal de Alberto João Jardim, mandou-nos pôr de quarentena arvorando que os continentais eram uma doença que não queria que contaminasse a ilha; largámos âncora rumo aos Açores, onde no bar do Peter comprei imensos souvenirs todos à base de cachalote; seguimos, depois, rumo às Canárias onde, curiosamente, muitos cães por lá andavam. Até hoje não conseguem trinar uma nota em português, tão duros de ouvido são, estes cães. Na ocre Lanzarote fomos recebidos por D. Saramago e D. Pilar que entregaram a meu pai um manuscrito sobre o Cerco de Lisboa para alfabetizar os indianos.
Após estas incursões ainda na bainha da saia da Europa, aventurámo-nos para outro continente. A África do Sul era o destino carimbado no bilhete; lembro-me da aflição de meus pais por o visto de Cahina, a minha aia cor de canela e companheira inseparável, não haver chegado; é que neste país vigorava o apartheid, assim uma espécie de jogo de xadrez em que num periclitante tabuleiro brancos de um lado e negros do outro, os brancos comiam os negros e ganhavam sempre o jogo. Afinal não houve problemas de maior, fomos todos muito bem tratados e a única coisa que registei foi um incidente que se revelou divertido e aventureiro. Eu e Cahina precisámos a alturas tantas de ir à casa de banho na marina, uma vez que não podíamos ir visitar a cidade. Ora as casas de banho tinham várias portas em inglês: Brancos (Homem e Mulher), Negros (Homem e Mulher), nessa altura não havia, com toda a certeza, deficientes, ou não sei se caberiam tantas portas naquela marina; o meu pai disse que eu teria que ir para a das mulheres brancas e Cahina para a das mulheres negras; como nem eu nem Cahina éramos, ainda, mulheres arquitectei imediata e argutamente um plano. Refugiámo-nos atrás de um enorme e tricolor ecoponto que aportava por ali e da minha mochila Eastpack retirei duas mudas de roupa do meu pai que não foram postas na mala ou ele teria que pagar excesso de bagagem: dois magníficos gibões que se abotoaram, cumplicemente, como magnetos, aos nossos corpos; encurtámos as fartas cabeleiras em chinós amuralhados no alto da cabeça, soterrámo-los sob enorme bonés que nos tapavam os olhos, calçamos uma luvas alvas e enfiámo-nos as duas, com risinhos matreiros e de “anda-lá-bobby-que-já-enganámos-mais uns” na casa de banho dos homens brancos, sem problema algum, tendo declarado cheque-mate ao apartheid e criado, naquele instante, a street wear.
Rumámos depois às Ilhas Maurícias onde estivemos dois curtos e preenchidos dias. Para mim foi como se tivesse chegado ao Paraíso, ao Jardim do Éden que tinha lido na Bíblia. As areias brancas, o mar transparente de tonalidades que abarcavam todas as gradações possíveis e inimagináveis de azul e de verde, a fauna e a flora marítimas que podíamos ver sem óculos de mergulho, palmeiras, palmeiras e mais palmeiras que se hasteavam, desfraldando acolhedoras sombras na tórrida ilha. Meu pai, escrivão de bordo e biólogo apaixonado, resolveu alugar um bungalow junto à praia, para melhor poder conhecer tão exótica paragem e Cahina e eu demos largas à nossa traquinice, o que não podíamos fazer na sobrelotada caravela onde, por causa dos temporais, tínhamos que usar cinto de segurança e mantermo-nos afiveladas ao beliche. Conhecemos e brincámos com muitos mauricinhos e mauricinhas que se riam com os nossos espantos ao olharmos para uns frutos chamados cocos de que jorrava uma leitosa água não canalizada; quando apontávamos para os macaquinhos e dizíamos que eram parecidos com Paulo Bento que integrava uma esférica comitiva com Pinto da Costa, Carlos Queirós, Luís Filipe Vieira e mais uns quantos marmanjos para ensinarem aos indígenas um jogo novo em que havia uma bola e vinte e dois homens, vinte deles tentando enfiar a bola por entre dois paus. Simiesco!
Fomos às piscinas naturais que se formavam por entre as rochas, sempre vestidas com os nossos fatos de banho, mais parecidos, sim, com fatos de macaco.
Ao fim de dois dias bem passados meu pai fretou um táxi-canoa que fazia passeios turísticos para nos levar de volta à caravela onde Afonso de Albuquerque e demais gentes nos aguardavam para dobrarmos o Cabo da Boa Esperança rumo a outro oceano, o Índico, e a outro continente, a Ásia, onde se alcandorava a preciosa Índia.
O marinheiro de nome Sócrates, controlador aéreo no alto da gávea grita: Terra à vista. Mas o que se avistava era Bombaim mais o seu nauseabundo odor a excrementos e especiarias tendo sido logo posta de parte, uma vez que já estávamos um bocado atrasados para chegar a Goa. A caravela tomou asas e 45 minutos depois o marinheiro de nome Sócrates volta a gritar: Terra à vista.
Afonso de Albuquerque informa altifalantemente que a temperatura era de 40º Célsius, que podíamos desapertar os cintos de segurança, que devíamos arrumar os beliches e que desejava a todos uma boa estadia. Havíamos chegado a Goa.
Quando desembarcámos neste território famoso pela sua beleza e riqueza, este estava na posse de muçulmanos, sendo governada por Hidalcão .
Afonso de Albuquerque, sagaz, aproveitou que ele tinha ido a Bombaim a uma cimeira e conquistou Goa.
Chegámos, antes da época da monção e, mesmo que não quiséssemos, o que não era o caso, uma vez que o meu pai tinha sido indigitado pelo Rei como Governador do Banco de Goa e Afonso de Albuquerque para o representar na Índia, quem chegasse nesta época não poderia navegar enquanto a monção se mantivesse, pois os ventos tornavam os mares impossíveis de serem sulcados.
E lá ficámos durante 400 anos. Muitos portugueses casaram com bonitas goesas e passou a haver por aquelas paragens Diogos, Franciscos, Isabeis, Leonores, Garcias, Albuquerques, Noronhas.
Eu retomei a vida que levava em Portugal; reiniciei os estudos, entrando para o 8º ano do liceu e, nas horas vagas, passeava com Cahina pela cidade de Panjim, onde meus pais se haviam instalado, adorando enrolar-me nos saris de cores vistosas e de seda pura, vestir os meus braços de pulseiras que lá se chamam manilhas de vidros de várias cores e olhar com inveja as goesas ostentando magníficas jóias em todas as partes do corpo disponíveis; um dia arrisquei e pedi à minha mãe para pôr um brinco no umbigo, sim um piercing, mas a minha mãe olhou para mim horrorizada como se fosse de alguma casta inferior. Ainda hoje não ultrapassei este trauma.
Gostava de ver os templos hindus e os seus rituais havendo, no entanto, um que abominava e é só devido a esse singelo e terreno pormenor que me mantenho cristã: ter que deixar os sapatos à porta para entrar nos locais sagrados do hinduísmo. Jamé!
Em 1961, quando os portugueses perderam Goa, fui deslocalizada para Angola, mas esta também foi perdida no jogo do Monopólio, bem como várias outras árduas conquistas tendo, então, regressado às origens -a Portugal- onde me empreguei numa agência de viagens organizando viagens de circum-navegação pelas ex-maravilhas portuguesas no Mundo. Estes périplos ficaram conhecidos aquém e além-mar pela particularidade de os turistas serem sempre saudados com flores oferecidas por indianos de uma empresa fundada por mim e que trabalhava em parceria: a Ké-Frô, SA..
Hoje encontro-me já reformada mas ainda navego, pois claro! Criei a internet, o Messenger, o Hi5, o Facebook e o Twitter e até tenho um blogue, onde escrevo para memória futura. Andam, entretanto, por aí uns invejosos, uma turba de anónima massa dizendo que tudo isto inventei, que muito baralhada ando, que sou uma louca e que vivo com um tal de Alzheimer. Eu, que sempre fui solteira e boa rapariga. Querem meter-me num 31, num colete de forças, querem-me internar mas eu sou, Georgina de Noronha, amiga do Rei.
- D. Georgina, vamos arranjar-nos para o jantar?
- Desculpem-me, meus Senhores, mas vou ter que me retirar, a aia Cahina por mim chama. É que hoje vou jantar com o Rei.
13 comentários:
Quando imaginação, sagacidade, humor e conhecimentos históricos, geográficos, políticos, futebolísticos, religiosos… se juntam… só pode nascer um texto assim. E palavras para quê?...
Beemmmmm. Até tenho vergonha de escrever posts.
Contudo pensava-te um bocadito mais jovem.
Estou sem palavras.
Por favor... aceita uma respeitosa vénia de apreço ( e inveja também )...
Clap, clap, clap...
( Isto é o som das palmas, claro)
Um óptimo fim de semana.
Reescreveste a história.
Não estás nada bem.
Votos de rápidas melhoras.
:-)
Ah que grande trabalhinho esse, sim senhora, p'rái umas seis horas não?
Gi
está óptimo, dei-te nota máxima, gostei imenso
;-)
Espectacular! É por estas e por outras que me resolvi a comentar... Muitos parabéns!
Com a devida vénia perante tão nobre e bela donzela, presto-lhe a minha homenagem e simultaneamente os meus parabéns por tão linda prosa que me prendeu a atenção por largos (e todavia curtos) momentos.
Seu eterno admirador desde tempos imemoriais, o Kok!
Excelente post Gi.Espero que o jantar tenha corrido bem :)
Xi credo quanta prosa! A leitura fica pra mais tarde, pode ser?
Ora aqui estão uns tantos episódios da história que eu desconhecia. Já fiquei bem mais culta...Bem podia a D.Georgina de Noronha ter aportado no Principado da Pontinha, na Madeira e aí ter repousado um pouco, também.
Beeeeeeeeeeeeemmmmmmm! Valeu a pena estar a ler isto.
FICOU FANTÁSTICO! :)
D.ª Georgina de Noronha? Aceita um Choccocino? Ehehehehe
Pepper: Com Dulce Gosto. ;)
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