sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O AMOR E A SUA CORRESPONDÊNCIA

Diário da Vanessa

A banalização do telemóvel criou a ilusão do objecto omnipresente. Numa posição de omnipresença, um objecto de paixão passou a ter a "obrigação" da resposta imediata a qualquer estímulo, sob pena de provocar o sofrimento do outro.

A angústia da perda passou a estar associada a trivialidades - pode acontecer, vertiginosa, quando se esgotou uma bateria; ocorre quando o amor se passeia displicente em lugares sem rede; e pode disparar a níveis clínicos quando o objecto amoroso, usando um direito inalienável de autodeterminação, decide desligar o telemóvel.

No amor, o telemóvel fez disparar o stress, a ansiedade, as angústias da rejeição e outras malaises de la civilisation. Um telemóvel desligado é uma providência cautelar para uma ruptura. Um presumível sintoma de infidelidade. Um fechar com a porta na cara. Um não, uma nega, uma tampa.

O telemóvel é caro, mas o amor tende a minimizar o impacto económico das medidas a que, no auge da paixão, recorre. E depois há as sms, esse deslumbrante e mais económico instrumento de sedução, mas - também ele - uma grilheta dos amantes. Os segundos de resposta, os minutos, as horas, tudo é contabilizado para avaliar o impacto de um amor.

Institucionalizados os novos rituais do enamoramento, não importa se o objecto costuma estar sequestrado na Biblioteca Nacional ou vive em audiências contínuas com díspares personalidades; se, por qualquer razão que o coração se esforça por desconhecer, não vive com o maldito computadorzinho na mão, em permanente disposição de disparar uma resposta irredutível.

O mail tem um tempo mais distendido, se excluirmos as pessoas cuja profissão as obriga a estar permanentemente em frente do computador. Estas são ainda fustigadas com o monstro do messenger, que, de borla, obriga ao diálogo contínuo.

Mas a minha amiga Vanessa, que num estado de paixão patético tem passado o último mês a escrever mails ridículos, sms ridículas e a contar os segundos da resposta, teve um destes dias um inesperado e surpreendente ataque de felicidade amoroso: recebeu uma carta. Um postal dos correios. Um envelope com selo e tudo. Quando abriu a caixa e viu que não eram só contas, ia desfalecendo.
Uma carta. Uma carta?
Sim, só um grande amor.
Ana Sá Lopes in DN

3 comentários:

Vera disse...

Que saudades de uma carta...

Patti disse...

Eu ainda recebo de vez em quando, uma carta de uma amiga algarvia.

Daquelas com a data e a localidade do lado direito e que começa com "Querida Amiga"

Goldfish disse...

Lindo! Adorei.