Existe um planeta onde os seres têm dois buracos. A um chamam de superior. Ao outro, inferior. Aqui está o absurdo dos habitantes deste planeta, já que pelo primeiro ingerem cadáveres de animais, legumes e frutos cujos resíduos, triturados por um aparelho que tem o nom de digestivo, expelem pelo último. Isto é considerar superior a fenda que repleta de porcaria e inferior o orifício que dessa lama os alivia. Masão assim. Trocam tudo. E para justificar a inversão que é o seu modo de ser e de viver, inventam ideias superiores e humanitárias que pelo primeiro buraco derramam em ludribiosa matéria sonora de que se orgulham, chamando a isso o dom de falar. Outro artifício, visto que convence os incautos de que as revoluções são a luta pela maior absorção de cadáveres, dignificando assim ideologicamente a função do buraco que os ingere. E para mais prestigiar a pavorosa fenda, ao buraco que têm por inferior designam de ignóbil o seu uso, para o qual empregam uma palavra injuriosa.
Neste planeta perdi o melhor do meu tempo com seres que execram o que os liberta e exaltam o que os enche de imundície.
7 de Fevereirode 1975
*In "não percas a rosa diário e algo mais (25 de abril de 1974-20 de dezembro de 1975)
Natália Correia
* Um dos meus livros-de-cabeceira actualmente
5 comentários:
MURCHARAM? PUDERA!
ESTAMOS NUMA COMPLECTA CHFURDEIRA!!!
que saudades tinha eu de ler estes post!!
Muitos têm o buraco inferior inserido no superior...if you know what i mean...
Se murcharam foi também porque não os regámos de forma competente, como era nossa obrigação, não acha, Gi?
Deveriam ter sido regados com águas límpidas, é o que é...
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