domingo, 20 de julho de 2008

A OVELHA NEGRA

Havia um país onde todos eram ladrões.
À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado, e encontrava a sua casa roubada.
E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último, que roubava o primeiro.
O comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava.
O governo era uma associação de delinquentes vivendo à custa dos súbditos, e os súbditos, por sua vez, só se preocupavam em defraudar o governo.
Assim a vida prosseguia sem atropelos, e não havia nem ricos nem pobres.
Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto.
À noite, em vez de sair como o saco e a lanterna, ficava em casa a fumar e a ler romances.
Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.
Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem.
Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.
Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objectar.
Também começou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar.
Era honesto, não havia nada a fazer.
Andava até à ponte e ficava a ver passar a água por baixo.
Voltava para casa, e encontrava-a roubada.
Em menos de uma semana o homem honesto ficou sem um tostão, sem o que comer, com a casa vazia.
Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua;
O problema era que seu comportamento criava uma grande confusão.
Ele deixava que lhe roubassem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém;
Assim, sempre havia alguém que, voltando para casa de madrugada, encontrava a casa intacta: a casa que o homem honesto deveria ter roubado.
O facto é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram ficando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar.
E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encontravam vazia; assim, iam ficando pobres.
Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até à ponte, mais tarde ficariam pobres. E pensaram: “ Paguemos aos pobres para irem roubar para nós”.
Fizeram-se contratos, fixaram-se salários, percentagens: naturalmente, continuavam a ser ladrões e procuravam enganar-se uns aos outros.
Mas, como acontece, os ricos tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Havia ricos tão ricos que não precisavam mais de roubar e que mandavam roubar para continuarem a ser ricos.
Mas, se paravam de roubar, ficavam pobres porque os pobres os roubavam.
Então pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e construíram as prisões.
Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava mais de roubar ou ser roubado, mas só de ricos e pobres;
E no entanto todos continuavam a ser pobres.
Honesto só tinha havido aquele sujeito; e morrera logo, de fome.
Escrito durante a década de 1940 por Italo Calvino, quando esteve preso pelo regime fascista em Itália

2 comentários:

Rocket disse...

fabulosa parábola. é bom, de quando em vez tropeçar com tesouros destes na blogocoisa. um bom domingo

Júlio disse...

Fantástico. Obrigado por dares a conhecer. :)