domingo, 26 de outubro de 2008

DINOSSAURO EXCELENTÍSSIMO

ILUSTRAÇÃO DE JÚLIO POMAR

«E A PONTUAÇÃO?»
Bem perguntado: a pontuação nas mãos dos mexilhões anarquistas podia muito bem ser usada como rasteira. Mais que certo, ou alguém desconhecia que uma reticência jogada a suspender a frase não serve muitas vezes de rastilho para conclusões inconfessáveis? E a exclamação? Haverá melhor pingo de mel ou granada mais a prumo do que um ponto de exclamação?
O Imperador tinha visto muito bacharel tropeçar na vírgula e não chegar ao fim da oração; ou passar sem dar por ela e perder o fôlego antes do ponto final, o que não era menos desastroso. Entre os imbecis mais contentinhos da Comarca havia meninos e meninas que se perdiam nos parênteses e para lá ficavam, entalados entre duas conchas; e também não faltava quem, para desorientar o parceiro, roubasse na pontuação. Não era urgente pôr cobro a isto?
Dinossauro tomou providências, decretou. Entendia que uma ordem de guerreiro exigia dois pontos de exclamação por razões de autoridade de ressonância do brado; reticências eram disfarces do tímido; alíneas os ornamentos do jurista - nos pequenos nadas é que se via onde estava a ordem. E em pensamento reforçou a palavra com três pontos de exclamação tão firmes que valiam por uma escolta de baionetas:
ORDEM!!!
Lá ia o tempo em que os jardins da escrita eram um paraíso de lantejoulas de tremas e de reticências e em que o til, essa borboleta, andava em liberdade beijando as vogais da infância. [...] Num sonho mais desgarrado (se é verdade que lhe era possível sonhar) o Excelentíssimo viu-se a cavalgar um parágrafo de desenho gótico, enorme como um gigantesco hipocampo, e entrar com ele num rio de águas fumegantes. Levava um camaroeiro que em séculos tinha sido o barrete de malha dum capitão cruzado e pescava vírgulas com ele numa abundância que o assombrava. [...]
No meio disto tudo desabou sobre ele e sobre o seu cavalo-marinho uma chuva de pontos de exclamação, um disparar cerrado de setas de guerreiro, e logo a seguir, começaram apassar enormes soldados de pedra, deitados à tona da água como figuras tumulares. (...)
Hoje passam 10 anos sobre a morte de José Cardoso Pires.

11 comentários:

Vera disse...

Pois é! Tenho aqui uma revista com um artigo sobre Ele para ler. Já a seguir :-)

Last Lion disse...

Não conheço o autor em questão... não sou grande leitor, confesso(odeio livros) e por isso peço desculpa pela ignorância.
Vou-me tentar cultivar qualquer coisa acerca de tal.
Boa noite... =)

Gi disse...

lionmaster: se te vais tentr cultivar mais, não comeces por José Cardoso Pires. ;)

Patti disse...

Estou a reler o Delfim.
Sabes que ele e o nosso 'amigo' de 4ª-feira eram unha e carne.

Gi disse...

Sei. Leste as Intermitências da Morte?
Também quero reler "O Delfim", porque no Liceu não gostei;
Ainda à bocado estava a dizer ao Mr. Darcy como muitas vezes os livros que fazem as crianças e adolescentes ler na escola estão completamente desfazadas das suas idades mentais.

Patti disse...

Não li. É do Saramago, não é?. Esse tema mexe muito comigo, evito-o.
Mas li o De Profundis Valsa Lenta do José Cardoso Pires, que aborda o tema duma perspectiva de alguém que, na altura, andou perto dela.

E isso dos livros que temos de ler no liceu, é verdade, verdadinha! Fiquei com raiva do Júlio Dinis, mas já fizemos as pazes. :)

Gi disse...

Estúpida, eu; não era Intermitências da Morte que querida dizer, queria dizer "De Profundis, Valsa Lenta", do JCP ... aí ele fala do nosso amigo de 4ª feira.
Desculpa-me pela confusão.

Patti disse...

Oh filha, eu nunca desculpo cultura a mais.
:):):):)

Bye, bye, vou prós cavalinhos.
bjs

Last Lion disse...

Que me aconcelhas? :P

Pode ser que ganhe o gosto pela literatura... mas coloco muitoas reticências nisso :P

Gi disse...

lionmaster: não sei que te aconselhe; mas se calhar os livros do Harry Potter. ;)

Last Lion disse...

LOL eu odeio esse boneco!! :P nem os filmes eu consegui acabar de ver quanto mais os livros...