segunda-feira, 11 de maio de 2009

A FEIRA DO LIVRO

Leio muitos blogues dedicados a livros; eles são blogues de escritores; eles são blogues de editoras; eles são blogues de jornalistas que também são escritores, eles são blogues sobre literatura, eles são ... eles são.
Noto que a maioria deles se lêem uns aos outros.
Na sexta-feira, no seu blogue, amplamente conhecido e lido, José Saramago escreveu sobre A Feira.
E, como se ninguém lesse este blogue, alguns blogues, desses que se lêem uns aos outros, e todos eles - tenho a certeza- lendo o blogue de Saramago se apressaram a transcrever o que José Saramago escreveu no seu blogue.
Pois eu também costumava ir à Feira. Quando era adolescente. Quando não tinha que andar em multidões, que sempre me apavoraram.
Depois parei.
Os horários eram incompatíveis com a minha vida laboral, com a minha vida como mãe, restavam-me os fins-de-semana, igualmente laboriosos, sempre mãe, cada vez mais avessa a multidões.
Este ano, quero dizer-vos, também penso ir à Feira. Os horários são mais compatíveis com a dispersão de multidões. Os horários são mais aprazíveis. Parece que as "barraquinhas" da feira estão mais simpáticas, fazem-nos sala. Já tinha combinado ir hoje. Chove. Estamos indecisas. Eu, mais numa de ir, chova ou faça sol, ela mais numa de não ir caso faça chuva.
Tenho a certeza que vou. Acredito que vamos.
O meu pai era um adepto convicto, militante, mesmo. Ia muito, ia sempre. Trazia sempre livros autografados.
Um dia ofereceu este, de António Lobo Antunes, a Mr. Darcy.
A Feira do Livro é estar sentado debaixo de um guarda-sol às listras a dar autógrafos e a comer os gelados que a minha filha Isabel me vai trazendo de uma barraquinha três editoras adiante, preocupada com as atribulações de um pai suado, de repente da idade dela, a escrever dedicatórias, de língua de fora, numa aplicação escolar. Isto não é uma queixa: gosto das pessoas, gosto que me leiam, gosto sobretudo de conhecer as pessoas que me lêem e me ajudam a sentir que não lanço ao acaso do mar garrafas com mensagens corsárias que se não sabe onde vão ter, e gosto dos romances que escrevi. Tenho orgulho neles e tenho orgulho em mim por ter sido capaz de os fazer. De modo que ali estou, satisfeito e tímido, acompanhado pelo Nélson de Matos que me pastoreia com paciência, com uma placa com o meu nome e as capas em leque à minha frente, um pouco com a sensação de vender bijuterias marroquinas nos túneis do Metropolitano do Marquês ou fatos de treino fosforescentes na Feira do Relógio, que os leitores folheiam, compram, me estendem para o selo branco, e eu em lugar de lhes explicar obsequioso e seguro que os livros não desbotam nem encolhem na máquina limito-me por falta de vocação cigana a pôr a etiqueta lá dentro
(Deus sabe o que me apetece às vezes assinar Hermes ou Valentino)
e a devolvê-los com o sorriso lojista de quem garante qualidade e boa malha. Como nos saldos da Avenida de Roma acontece de tudo: é o senhor de meia-idade e olhinho alcoviteiro que abre Os Cus de Judas, o folheia com curiosidade primeiro e com desilusão depois e se afasta a desabafar para um sócio de unha guitarrista
- Bolas nem sequer traz fotografias
é o rapaz de cabelo amestrado a gel e crocodilo no mamilo, como dizia o Alexandre, que pergunta numa piscadela cúmplice
- Já agora qual é o que tem mais curtições assim cenas de cama está a perceber?
é a tia virtuosa, de sapatos tipo caixa de violino, preocupada com a educação dos sobrinhos, essas tias que se oferecem sempre para os levar a fazer chichi, que me observa com severidade apostólica
- O que devo comprar para a minha afilhada coitadinha que fez anteontem a primeira comunhão?
é o autoritário que espeta o dedo na página e ordena em voz de furriel
- Ora meta aí: para a Fernanda no seu trigésimo oitavo aniversário com os melhores votos de felicidades e agora enfie o seu apelido
é o que fica a seguir, desconfiadíssimo, o aviar da receita, inclinado para diante de mãos no bolso do rabo, e me corrige ultrajado
- Elizabeth é com th você tem alguma coisa contra as Elizabeths ou não é escritor?
Às sete da tarde levanto a tenda. O letreiro com o meu nome desaparece, desaparecem os livros e como por felicidade não moro em Loures nem na Damaia de Cima tenho tempo de celebrar com a Isabel o fim dos saldos lambendo um último gelado. Sentamo-nos na relva como um par de namorados e seguimos à distância os outros vendedores de bijuterias marroquinas ou de fatos de treino fosforescentes a autenticarem os seus produtos num afã de balconista enquanto nós dividimos os Almanaques do tio Patinhas comprados numa prateleira dedicada às leituras difíceis e cujos títulos me encantam: Psicanalise-se A Si Mesmo, como Enriquecer Sem Sair de Casa, A Vida Sexual De Adolfo Hitler, Dez Cegos Célebres, A Cura do Cancro do Útero Pelo Método Espírita. Um bêbedo ao pé de nós ressona com um motor a dois tempos sobressaltos de motorizada.
O céu enche-se de nuvens Magritte. Proponho à minha filha uma corrida até ao automóvel e o último a chegar é maricas. No carro ao lado do nosso o autoritário da Fernanda descompõe a dita: tem uma mascote no retrovisor, duas no vidro traseiro, o autocolante de uma menina de chapéu no guarda-lamas, e interrompe-se para a informar
- Aquele é o gajo que escreveu o livro.
A Fernanda, toda transparência e folhos, lança-me um rímel distraído do alto da sua opulência glandular e a Isabel que lhe apanhou a indiferença e o soslaio em pleno voo aconselha-me com pena de mim a caminho do hamburger do jantar
- Depois disso tudo eu achava melhor o pai não ser escritor
.
António Lobo Antunes in Livro de Crónicas
Tenho a certeza que nenhum blogue de literatura, nenhum blogue de editores, nenhum blogue de escritores, escreverá sobre o que eu aqui escrevo sobre a Feira do Livro.
MAS EU VOU À FEIRA, PÁ ...OU NÃO!

28 comentários:

Mozka Tché Tché disse...

Prontos, tábens, kakoiza, pah!
Não tisquessas de levar o comere pra popáres na buxa. E vai pla sombra!
Os portugas precizam de ler, de ler, de ler.

Vera disse...

Eu também quero ir, um dia destes. Porque o horário há muito não me permite ir até lá! Quero ir, mas sem chuva. Porque quero passear ao Sol. Quero sentir o cheiro das árvores que ladeiam o parque. Quero subir e descer e sentir o quente nas costas. Quero parar em cada barraquinha e comer palavras com os olhos. fotografar palavras com a minha máquina, companheira de todas as horas. E continuar a amar os livros e quem os escreve, porque eu, podia alimentar-me de livros!

Gi disse...

Vekiki: Nas duas semanas anteriores esteve bom tempo. Esta semana, a última, não sei se vai estar bom tempo.
Parece que o horário durante a semana é prolongado até às 21H30.

Patti disse...

Pois é filha...não sei não, pois por aqui está um toró!

E por aí?

Patti disse...

Ah e eu também tenho um livrinho autografado pelo Senhor!

Patti disse...

E até lhe fiz uma pergunta e tudo!

Patti disse...

E ele até me respondeu, com aqueles olhos azuis, pequenos e fundos.

Patti disse...

E estava sentadinho mesmo à minha frente!

Patti disse...

Assim a dois palmos!

Patti disse...

Tu cá, tu lá!

Patti disse...

E tu não!

Patti disse...

Toma!

Gi disse...

Aqui já chuviscou; mas agora já não chuvisca; pelos vistos por aqui, apesar de tudo, não chove como nas "Linhas".

Eu também tenho mais um livro autografado por ele para mim. Lembras-te? Ahahahah.

Gi disse...

Só não lhe fiz uma pergunta, pá! De resto foi tudo a papel químico;aliás quem sacou os autógrafos fui eu. Euzinha é que esteve mesmo junto a ele. E ele a "despir-me" com o seu olhar. Agora até pareço os UHF!

Patti disse...

E se eu não tirasse as belas fotos, hã?

LuNAS. disse...

Pois eu adoro o Lobo ANtunes, ao contrário de não sei qtas pessoas. mas gosto mesmo.
Não tenho nad autografado, mas é como se tivesse:)

Gi disse...

Lúcia: Também eu gosto muito. :)

Flip disse...

Gi
eh pá vai lá, não te chateies, leva sapatinhos práticos para subires e desceres...não vás às farturas, depois ficas com os dedos gordurosos e sujas os livros...depois diz como foi.
:-)

Precious disse...

Já fui adepta incondicional, mas arrefeceu-se decididamente o entusiasmo com a Fnac e Amazon. Este ano, ainda não fui, pelo andar da carruagem, não sei se chego a ir.

maria inês disse...

Ide em paz, que o S. Pedro não vos acompanha!

paulofski disse...

O livro é tão versátil que até dá um maravilhoso telhado para cobrir a cabeça!

Cláudia disse...

Não vou lá desde que acabei a faculdade...provavelmente não devo ir este ano :)

Anónimo disse...

Ainda não tive oportunidade de lá ir. Gostava de ir à noite. Boas compras

Fatima disse...

A partir de amanhã dizem que o tempo melhora, e dá para ir. Sim, que Português que se preze,guarda tudo para a última hora...

Laetitia disse...

Todos vão à Feira do Livro!

Apre... Só eu é que ainda não me deu vontade de lá ir.

Bjs

Gi disse...

Pepper: Não vejo aqui ninguém dizer que já foi à Feira; alguns dizem que gostariam de ir. ;)

PB disse...

Vai, vale sempre a pena!

PB disse...

Aliás, já por lá andaste... lol