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terça-feira, 16 de março de 2010

SE PENSAM QUE O METROSSEXUAL É UMA MODERNICE...


E Jacinto começava... Cada um desses utensílios de aço, de marfim, de prata, impunham ao meu amigo, pela influência omnipoderosa que as coisas exercem sobre o dono (sunt tyrannoe rerum) o dever de o utilizar com aptidão e deferência.  E assim as operações do alindamento do Jacinto apresentavam a prolixidade, reverente e insuprimível, dos ritos de um sacrifício.
Começava pelo cabelo... Com uma escova chata, redonda e dura, acamava o cabelo, corredio e louro, no alto, aos lados da risca, com uma escova estreita e recurva, à maneira do alfange de um persa, ondeava o cabelo sobre a orelha, com uma escova côncava, em forma de telha, apastava o cabelo, para trás, sobre a nuca... Respirava e sorria.  Depois, com uma escova de longas cerdas, fixava o bigode; com uma escova leve e flácida acurvava as sobrancelhas, com uma escova feita de penugem regularizava as pestanas.  E deste modo Jacinto ficava diante do espelho. passando pêlos sobre o seu pêlo, durante catorze minutos.
Penteado e cansado, ia purificar as mãos.  Dois criados, ao fundo, manobravam com perícia e vigor os aparelhos do lavatório - que era apenas um resumo dos maquinismos monumentais da sala de banho.  Ali, sobre o mármore verde e róseo do lavatório, havia apenas duas duchas (quente e fria) para a cabeça, quatro jactos, graduados desde zero até cem graus, o vaporizador de perfumes, a fonte de água esterilizada (para os dentes), o repuxo para a barba, e ainda torneiras que rebrilhavam e botões de ébano que, de leve roçados, desencadeavam o marulho e o estridor de torrentes nos Alpes... [...]
Quando Jacinto acabava de se enxugar laboriosamente a toalhas de felpo, de linho, de corda entrançada (para restabelecer a circulação), de seda frouxa (para lustrar a pele)...
In "Civilização", de Eça de Queiroz

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O MEU MELHOR POST DE 2009, PELO PRAZER E PELO TRABALHO QUE ME DEU E PELA MENSAGEM QUE ENCERRA

CADA COR SEU LINK ... O RESTO MANTÉM-SE IGUAL HÁ QUASE 150 ANOS
O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Eça de Queiroz

Junho de 1871
in "Uma Campanha Alegre"

Para alguns recordarem e todos acordarem. Não esperem milagres para 2010, sejam realistas, e façam o vosso melhor para inverter, diariamente, o (mau) estado da Nação.
Desejo-vos a todos -e apenas- muita saúde.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

FARPAS - A SOCIEDADE PORTUGUESA

Ano: 1882

Autor: Eça de Queirós

A sociedade portuguesa n'este derradeiro quarteirão do século pode em rigor defenir-se do seguinte modo: Ajuntamento fortuito de quatro milhões d'egoismos explorando-se mutuamente e aborrecendo-se em comum.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

FARPAS - OS PARTIDOS POLÍTICOS

Os diferentes partidos que há muitos anos se sucedem no exercício do poder têm por chefes dois ou três indivíduos, cujas personalidades absolutamente destituidas de ideias correlativas ou concomitantes, representam as duas ou três fases por que sucessivamente vai passando e repassando em círculo sobre o mesmo carreiro a rotação governativa.
Os personagens aludidos têm as intenções mais puras e mais honestas deste mundo. Ter outras, desonestas e impuras, dar-lheis ia maçada, e para aí é que eles não vão.
Diz-se também que são todos mais ou menos fortes nessa arte, velha e atrasada, que se chama a eloquência e que tem por objecto desfazer pela exageração artificial das palavras a justa proporção das coisas.

Ano: 1882
Autor: Eça de Queirós